sexta-feira, 18 de maio de 2012



Desenvolvimento Cognitivo


Jean Piaget (1896-1980) foi um psicólogo e filósofo suíço, conhecido pelo seu trabalho pioneiro no campo da inteligência infantil. Piaget passou grande parte de sua carreira profissional interagindo com crianças e estudando o seu processo de raciocínio. Os seus estudos tiveram um grande impacto sobre os campos da Psicologia e Pedagogia. Ficou conhecido pela sua teoria cognitivista.
Na visão de Piaget a aprendizagem concentra a sua base no pensamento. É através dele que a inteligência se manifesta. A inteligência, por sua vez, é um fenómeno biológico, condicionado pela base neurónica e do corpo inteiro, e sujeito ao processo de maturação do organismo.
Piaget, após ter observado os seus filhos e outras crianças, durante as suas brincadeiras e atividades, submeteu-as a diversos testes, e verificou que o desenvolvimento do pensamento e da linguagem da criança se realiza através de períodos ou fases bem definidas, sendo as seguintes:
1º Período – Sensório-motor (nascimento – 18 meses/2 anos);
2º Período – Pré-Operatório (2 – 6/7 anos);
3º Período – Operatório Concreto (6/7 aos 11/12 anos);
4º Período – Operatório Formal (a partir dos 11/12 anos).
Estádio sensório- motor (0 - 18/24 meses)
A atividade cognitiva durante este estádio baseia-se, principalmente, na experiência imediata através dos sentidos em que há interação com o meio, esta é uma atividade prática. Na ausência de linguagem para designar as experiências e assim recordar os acontecimentos e ideias, as crianças ficam limitadas à experiência imediata, e assim veem e sentem o que está a acontecer, mas não têm forma de categorizar a sua experiência, assim, a experiência imediata durante este estádio, significa que quase não existe nada entre a criança e o meio, pois a organização mental da criança está em estado bruto, de tal forma que a qualidade da experiência raramente é significativa, assim, o que a criança aprende e a forma como o faz permanecerá como uma experiência imediata tão vivida como qualquer primeira experiência. A busca visual é um comportamento sensório-motor e é fundamental para o desenvolvimento mental, pois este tem que ser aprendido antes de um conceito muito importante designado por permanência do objeto. À medida que as crianças começam a evoluir intelectualmente compreendem que, quando um objeto desaparece de vista, continua a existir embora não o possam ver, pois ao saberem que esse desaparecimento é temporário, são libertas de uma incessante busca visual. A experiência de ver objetos nos primeiros meses de vida e, posteriormente, de ver os mesmos objetos desaparecer e aparecer tem um importante papel no desenvolvimento mental. Assim, podemos afirmar que a ausência de experiência visual durante o período crítico da aprendizagem sensório - motora, impede o desenvolvimento de estruturas mentais. Sendo durante este estádio que os bebés aprendem principalmente através dos sentidos e são fortemente afetados pelo ambiente imediato, mas contudo, sendo também neste estádio que a permanência do objeto se desenvolve, podemos então afirmar que, os bebés são capazes de algum pensamento representativo, muito semelhante ao do estádio seguinte, pois seria um erro afirmar que, sendo a sua fala, gestos e manipulações tão limitadas, não haveria pensamento durante o período sensório-motor. “Nada substitui a experiência”, pois é a qualidade da experiência durante este primeiro estádio que prepara a criança para passar para o estádio seguinte.
Algumas características deste estádio são:
- A exploração manual e visual do ambiente;
            - A experiência obtida com ações (a imitação);
            - Ações como agarrar, sugar, atirar, bater e chutar;
            - As ações ocorrem antes do pensamento;
            - A centralização no próprio corpo;
            - Noção de permanência do objeto.
Estádio Pré-operatório (2 – 6/7 anos)
Este estádio também chamado pensamento intuitivo é fundamental para o desenvolvimento da criança. Apesar de ainda não conseguir efetuar operações, a criança já usa a inteligência e o pensamento. Este é organizado através do processo de assimilação, acomodação e adaptação.
Neste estádio a criança já é capaz de representar as suas vivências e a sua realidade, através de diferentes significantes:
Jogo : Para Piaget o jogo mais importante é o jogo simbólico (só acontece neste período), neste jogo predomina a assimilação (Ex. : é o jogo do faz de conta, as crianças "brincam aos pais", "ás escolas", "aos médicos", ...). o jogo de construções transforma-se em jogo simbólico com o predomínio da assimilação (Ex. : Lego - a criança diz que a sua construção é, por exemplo, uma casa. No entanto, para os adultos "é tudo menos uma casa").
Inicialmente (mais ao menos aos dois anos), a criança fala sozinha porque o seu pensamento ainda não está organizado, só com o decorrer deste período é que o começa a organizar, associando os acontecimentos com a linguagem na sua ação.
A criança ao jogar está a organizar e a conhecer o mundo, por outro lado, o jogo também funciona como "terapia" na libertação das suas angústias. Além disto, através do jogo também nos podemos aperceber da relação familiar da criança (Ex.: Quando a criança brinca com as bonecas pode mostrar a sua falta de amor por parte da mãe através da violência com que brinca com elas).
Desenho : Até aos dois anos a criança só faz riscos, sem qualquer sentido, porque, para ela, o desenho não tem qualquer significado.
A criança, aos três anos já atribui significado ao desenho, fazendo riscos na horizontal, na vertical, espirais, círculos, no entanto, não dá nome ao que desenha. Tem uma imagem mental depois de criar o desenho. Mas aos quatro anos a criança já é mais criativa e começa a perceber os seus desenho  e projeta no desenho o que sente.
De um modo geral, podemos dizer que, neste estádio, o desenho representa a fase mais criativa e diversificada da criança.
A criança projeta nos seus desenhos a realidade que ela vive, não há realismo na cor, e também não há preocupação com os tamanhos. Nesta fase os desenhos começam a ser mais compreensíveis pelos adultos. A criança vai desenhar as coisas à sua maneira e segundo os seus esquemas de ação e não se preocupa  com o realismo. Também aqui a criança vai utilizar a assimilação.
Linguagem : A linguagem, neste período, começa a ser muito egocêntrica, pouco socializada, ou seja, a linguagem está centrada na própria criança. Ela não consegue distinguir o ponto de vista próprio, do ponto de vista do outro e, por isso, revela uma certa confusão entre o pessoal e o social, o subjetivo e o objetivo. Este egocentrismo não significa egoísmo moral. Traduz, "por um lado, o primado da satisfação sobre a constatação objetiva e, por outro, a deformação do real em função da ação e ponto de vista próprios. Nos dois casos, não tem consciência de si mesmo, sendo sobretudo uma indissociação entre o subjetivo e o objetivo...".Isto manifesta-se através dos monólogos e dos monólogos coletivos, (Ex.: quando num grupo de crianças estão todas a falar, dá a sensação que estão a conversar umas com as outras, mas não, estão sim todas a falarem sozinhas e ao mesmo tempo, ou seja, cada uma está no seu monólogo e assim manifesta o seu egocentrismo).
O termo egocentrismo, característica descritiva do pensamento pré-operatório, foi progressivamente sendo utilizado por Piaget, que o substitui pelo termo descentração.
A partir dos dois anos dá-se uma enorme evolução na linguagem, a título de exemplo, uma criança de dois anos compreende entre 200 a 300 palavras, enquanto que uma de cinco anos compreende 2000. Este aumento do número de vocábulos é favorecido pela forte motivação dos pais, ou seja, quanto mais forem estimulados (canções, jogos, histórias, etc.), melhor desenvolvem a sua linguagem. Neste estádio a criança aprende sobretudo de forma intuitiva, isto é, realiza livres associações, fantasias e atribui significados únicos e lógicos. Se atentarmos a uma experiência muito conhecida de Piaget em que é dado a uma criança dois copos de água com igual quantidade de líquido, embora um alto e estreito e outro baixo e largo, intuitivamente a criança escolhe o copo alto pois no seu entender este parece conter mais água.
Imagem e pensamento : A imagem mental é o suporte para o pensamento. A criança possui imagens estáticas tendo dificuldade em dar-lhe dinamismo. O pensamento existe porque há imagem. É um pensamento egocêntrico porque há o predomínio da assimilação, é artificial. Na organização do mundo a criança dá explicações pouco lógicas.
Entre os 2 e os 7 anos distinguem-se dois subestádios: o do pensamento intuitivo e o do pensamento pré - conceptual. O pensamento intuitivo surge a partir dos 4 anos, permitindo que a criança resolva determinados problemas, mas este pensamento é irreversível, isto é, a criança está sujeita às configurações preceptivas sem compreender a diferença entre as transformações reais e aparentes. No pensamento pré - conceptual domina um pensamento mágico, onde os desejos se tornam realidade e que possui também as seguintes características:   
Animismo - A criança vai dar características humanas a seres inanimados. Este animismo vai desaparecendo progressivamente, aqui salienta-se a importância do papel do adulto, na medida que, a partir, sensivelmente dos cinco anos, não deve reforçar, mas sim atenuar o animismo.
Realismo - A realidade é construída pela criança. Se no animismo ela dá vida às coisas, no realismo dá corpo, isto é, materializa as suas fantasias. Se sonhou que o lobo está no corredor, pode ter medo de sair do quarto.
Finalismo - Existe uma relação entre o finalismo e a causalidade. A criança ao olhar o mundo tenta explicar o que vê, ela diz que se as coisas existem têm de ter uma finalidade, no entanto, esta ainda é muito egocêntrica. Tudo o que existe, existe para o bem essencial dela própria. Também aqui o adulto reforça o finalismo. Vai diminuindo progressivamente ao longo do estádio, apesar de persistir mais tempo que o animismo, devido às atitudes  e respostas que os adultos dão às crianças.Com o decorrer do tempo, os pais terão de ensinar, à criança, novos conceitos, de modo  que  futuramente ela não tenha dificuldade em aprendê-los.
Artificialismo - É a explicação de fenómenos naturais como se fossem produzidos pelos seres humanos para lhes servir como todos os outros objetos: o Sol foi aceso por um fósforo gigante; a praia tem areia para nós brincarmos.
Egocentrismo As crianças são incapazes de compreender as coisas de um ponto de vista que não seja o seu. Ex.: “Há vento porque estou com muito calor”; “A noite vem quando é para ir para a cama”.
Piaget, considerou a irreversibilidade uma das características mais presentes no pensamento da criança pré-operatória, para melhor entendermos este ponto, tomemos em conta a seguinte experiência:
Piaget questionou uma criança de quatro anos: "Tens uma irmã? Sim, e a tua irmã tem uma irmã? Não, ela não tem uma irmã, eu sou a minha irmã". Através das respostas dadas pela criança Piaget apercebeu-se da grande dificuldade que estas têm em compreender a reversibilidade das relações. No seu entender, a criança não tem mobilidade suficiente para compreender que quando uma determinada ação já está realizada podemos voltar atrás. Desta forma,  podemos dizer que as estruturas mentais neste estádio são amplamente intuitivas, livres e altamente imaginativas.
Este estádio é fundamental pois a criança aprende de forma rápida e flexível, inicia-se o pensamento simbólico, em que as ideias dão lugar á experiência concreta. As crianças conseguem já partilhar socialmente as aprendizagens fruto do desenvolvimento e da sua comunicação.
Estádio das operações concretas (6/7 – 11/12 anos)
Para Piaget é neste estádio que se reorganiza verdadeiramente o pensamento. Como já referi no estádio anterior as crianças são sonhadoras, muito imaginativas e criativas. É a partir deste estádio (operações concretas) que começam a ver o mundo com mais realismo, deixam de confundir o real com a fantasia. É neste estádio que a criança adquire a capacidade de realizar operações. Podemos definir operação como a ação interiorizada - realizada no pensamento, componível - composta por várias ações; reversível - pode voltar ao ponto de partida. A criança já consegue realizar operações, no entanto, precisa de realidade concreta para realizar as mesmas, ou seja, tem que ter a noção da realidade concreta para que seja possível à criança efetuar as operações.
Para compreendermos qual o especto fundamental do período que estamos a analisar, voltamos a referir a experiência dos copos de água. Se no estádio anterior a criança não conseguia perceber que a quantidade era a mesma independentemente do formato do copo, neste estádio elas já percebem que a quantidade (volume) do líquido é a mesma, pois já compreendem a noção de volume, bem como peso, espaço, tempo, classificação e operações numéricas.
Apesar de neste estádio a criança já conseguir efetuar operações corretamente, precisa ainda de estar em contacto com a realidade, por isso o seu pensamento é descritivo e intuitivo (parte do particular para o geral). Ao longo deste período já não tem dificuldade em distinguir o mundo real da fantasia. A criança já interiorizou algumas regras sociais e morais e, por isso, as cumpre deliberadamente para se proteger. É nesta fase que a criança começa a dar grande valor ao grupo de pares, por exemplo, começa a gostar de sair com os amigos, adquirindo valores tais como a amizade, companheirismo, partilha, etc., começando a aparecer os líderes.
Progressivamente a criança começa a desenvolver capacidade de se colocar no ponto de vista do outro, descentração cognitiva e social. Nesta fase deixa de existir monólogo passando a haver diálogo interno. O pensamento é cada vez mais estruturado devido ao desenvolvimento da linguagem. A criança tem já mais capacidade de estar concentrada, e algum tempo interessada em realizar determinada tarefa.
Estádio das operações formais (a partir dos 11/12 anos)
A transição para o estádio das operações formais é bastante evidente dada as notáveis diferenças que surgem nas características do pensamento. É no estádio operatório formal que a criança realiza raciocínios abstratos, não recorrendo ao contacto com a realidade. A criança deixa o domínio do concreto para passar às representações abstratas. É nesta fase que a criança desenvolve a sua própria identidade, podendo haver, neste período problemas existências e dúvidas entre o certo e o errado. A criança manifesta outros interesses e defende os seus ideais segundo os seus próprios valores e naquilo que acredita.
O adolescente pensa e formula hipóteses, estas capacidades vão permitir-lhe definir conceitos e valores, por exemplo estudar determinada disciplina, como a filosofia. A adolescência é caracterizada por aspetos de egocentrismo cognitivo, pois o adolescente possui a capacidade de resolver os problemas que  por vezes surgem à sua volta.

segunda-feira, 14 de maio de 2012


O que é mais importante – a hereditariedade ou o meio?


                     vs                





Indubitavelmente, importa ressalvar que nenhuma teoria sobre o desenvolvimento humano é aceite universalmente, na medida em que nenhuma explica todas as dimensões do desenvolvimento.
De facto, toda a teoria do desenvolvimento da criança tem necessidade de considerar a hereditariedade e o meio como peças influentes no desenvolvimento da criança. Não obstante, os teóricos diferem na importância concedida à natureza, ou seja, aos traços e às características herdados dos seus pais biológicos e à educação, isto é, influências ambientais, quer antes e após o nascimento, comportando influências da família, pares, escolarização, sociedade e cultura.
Hodiernamente, é possível medir os papéis da hereditariedade e do meio para explicar as diferenças individuais em traços específicos tal como a inteligência, a par da presença dessas influências ao longo do ciclo vital. Todavia, a investigação aponta para uma interação entre a hereditariedade e a experiência. Neste sentido, pode-se concluir que apesar da inteligência ter uma forte componente hereditária, a estimulação dos diferentes agentes de socialização, introduzem a diferença. 
Paralelamente, nesta esfera, levanta-se uma questão: o desenvolvimento é ativo ou passivo? Noutras palavras, a criança tem um papel ativo no seu desenvolvimento ou é apenas uma “esponja” passiva? Esta questão é igualmente simplista, pois os fatores supracitados interagem.
De acordo com uma breve revisão bibliográfica, destacam-se cinco perspetivas do desenvolvimento humano. A perspetiva psicanalítica é alicerçada na teoria psicossexual de Freud, defendendo que o comportamento é controlado por poderosos instintos inconsciente, na teoria psicossocial de Erikson que advoga que a personalidade é influenciada pela sociedade e desenvolve-se através de uma série de crises, na teoria relacional de Miller que entende a personalidade desenvolve-se no contexto de relações emocionais. A perspetiva aprendizagem é baseada na teoria do comportamentalismo ou na teoria da aprendizagem clássica (desenvolvida por Pavlov, Skinner, Watson), entendendo que as pessoas reagem, sendo que o meio controla o comportamento e na teoria da aprendizagem social (defendida por Bandura) que advoga aprendizagem através da observação social e da imitação dos modelos. A perspetiva cognitiva, assente na teoria cognitiva de estádios de Piaget que aborda o desenvolvimento através de mudanças qualitativas no pensamento ocorridas entre a infância e a adolescência e na teoria do processamento de informação, defendendo que os seres humanos são processadores de símbolos. A perspetiva etológica baseada na teoria da vinculação de Bowlby e Ainsworth defende que os seres humanos detêm os mecanismos adaptativos para sobreviver, salientando os períodos críticos ou sensíveis; as bases biológicas e evolucionistas do comportamento e a predisposição para a aprendizagem são importantes. A perspetiva contextual alicerçada na teoria sociocultural de Vygotsky entende que o contexto sociocultural tem um impacto importante no desenvolvimento.
Na minha óptica, não nascemos “tábuas rasas”, na medida em que o próprio meio intra-uterino nos influencia, sendo que não se deve menosprezar os factores hereditários e pessoais do sujeito. Todavia, aprendemos sobretudo pela observação dos outros. Decerto que os modelos exteriores, nomeadamente pessoas, meios de comunicação, livros, impulsionam a aprendizagem. Alguém nasce criminoso? Os irmãos Gémeos apresentam a mesma forma de ser e de estar? Quando se nasce, se cresce num ambiente desfavorável à inserção social, a título de exemplo as favelas brasileiras, o que se pode esperar de quem lá vive? Naturalmente que devemos ter cuidado com as visões fatalistas, pois muitas vezes são redutoras e lineares, no entanto podemos afirmar que, comummente, estas pessoas tendem a reproduzir o que observam. Por outras palavras, a leitura e a interpretação de um comportamento implicam a sua contextualização, na medida em que existe uma interacção recíproca entre os factores ambientais, os hereditários e os pessoais e o próprio comportamento do sujeito. O mesmo será dizer que os três factores exercem influência mutuamente.
Torna-se evidente que o homem é um ser social: nascido no social, nasce também do social e para o social. As influências biológicas e as influências sociais combinam-se e são recíprocas, daí o seu carácter biopsicossocial. Os humanos são seres relacionais.